Assim
que fechamos e travamos a porta, subimos a escada estreita e de
degraus irregulares. Lá em cima, Alexandre e Diogo tinham todo um
aparato já organizado. Natasha abraçou Alexandre, bastante
emocionada.
_
Que bom ver amigos vivos! Pelo visto não chegaram aqui agora, né?
Estão aqui há muito tempo?
_
Mais ou menos chegamos por aqui à tarde. Alexandre respondeu e,
enquanto ele falava, percebi seu punho enfaixado, mas não comentei
de imediato.
Enquanto
Natasha e Alexandre conversavam um pouco mais afastados, Diogo
começou a nos explicar que o hospital onde ele trabalha começou a
receber muitos pacientes vítimas de ataques de mordidas, mas não de
animais e sim de outras pessoas. Os que já não chegavam mortos,
morriam em pouco tempo. E esses, mesmo após terem morrido,
levantavam-se e atacavam outras pessoas. Ele então resolveu voltar
para casa.
_
Porra, cara! Só eu tinha ido trabalhar ontem, tive que ir cobrir um
amigo que adoeceu. Minha família estava toda lá em casa, começando
a preparar as coisas para a festa surpresa de um primo hoje à noite.
Só quero chegar em casa e ver que estão todos bem.
_
E o Alexandre? Como encontrou? Perguntei, já prevendo a hora de
perguntar sobre o ferimento no braço.
_
Assim que eu peguei a saída da Ilha do Governador e voltava
dirigindo pela Av. Brasil, fui ultrapassado por um ônibus em alta
velocidade, que bateu na mureta da pista e capotou a poucos metros do
meu carro. Parei ali próximo e corri para ajudar, quando ouvi
chamarem meu nome. Era o Alexandre, dentro do ônibus! Havia pelo
menos uns cinco mordedores desses! Quebrei a janela e puxei nosso
amigo, que disse que estava sozinho e também indo pra casa, fugindo
do caos. Não pensamos duas vezes, voltamos para o carro e chegamos
aqui. Paramos para abastecer e procurar algo para imobilizar o braço
dele. Acho que está quebrado, ele reclama de dor, mas não há
ferimento aparente. Aqui fomos cercados e resolvemos ficar até
vermos o que faremos para seguir caminho.
Começamos
a explicar nossa estratégia para chegar à Vila da Penha, mas fomos
interrompidos logo no início.
_SOCORRO,
SOCORROOOOO!
Corremos
todos até a varanda e lá estava a mulher para quem demos carona.
Ela estava em cima de um dos caminhões parados e, apesar de próximo,
era impossível alcançá-la. Ela viu o bebê no colo de Aline e
agradeceu por termos salvo seu filho e de certa forma se acalmou um
pouco.
_Não
saia daí que nós vamos te ajudar, nós vamos te resgatar. Gritou
Alexandre, já se arrumando para descer.
_
Espera aí, cara! Olha como está aquilo lá embaixo.
_
É Alexandre, ficou louco?
_
Mas, gente, não podemos deixá-la abandonada à própria sorte.
_
E quem foi que disse isso? Ninguém tá abandonando ela...
O
falatório irritou o bebê que voltou a chorar, chorou tanto que
perdeu o fôlego, ficando vermelho arroxeado e sem conseguir puxar o
ar novamente. Dali da varanda assistíamos a cena de terror que se
anunciava. A mulher se desesperou com a criança, que passava mal e
resolveu arriscar passar para o caminhão ao lado e ir pulando de um
em um até chegar mais perto. Aline correu com o bebê para o lado de
dentro, afastando-o do barulho, para que se acalmasse e assim
recuperasse o fôlego.
_
Eu vou até aí! Preciso do meu filho, ele precisa de mim, somos uma
família, uma família abençoada!
Ela
fechou os olhos, ergueu a mão esquerda aos céus, levando a direita
ao peito, recitando algo que a distância não nos permitia
interpretar, como quem estivesse em oração. Ficou assim por um
tempo e assim que abriu os olhos pulou para o primeiro caminhão ao
seu lado, que era mais baixo, o seu tênis enganchou em algo e ela
caiu rasgando a panturrilha, que de imediato se abriu deixando parte
de sua carne pendurada. Com muita dificuldade ela atravessou sobre
outros três veículos, deixando um rastro de sangue. O quarto um
caminhão cegonha, havia batido e entrado em um pequeno prédio
comercial, ela precisaria escalá-lo e se arrastar por entre as
ferragens retorcidas para só então atravessar uma marquise e nós a
alcançarmos.
Perdemos
a mulher de vista por alguns minutos que pareceram uma eternidade,
até que a avistamos saindo do outro lado, agora mais próxima de
nós, ainda mais machucada.
Ela
agora estava sem blusa, talvez tenha ficado presa em alguma coisa,
seu cabelo estava colado ao rosto, lavado em sangue, ela parecia ter
deslocado um ombro, pois já não mais movimentava um dos braços.
_
Meu filho, mamãe está chegando. Fique calmo, mamãe está chegando.
Ela
sussurrava como quem guardava suas últimas forças para aquele
reencontro.
Faltava
muito pouco, agora ela precisava apenas caminhar por uma pequena
marquise, sobre algumas lojas e então entregaríamos seu bebê.
As
forças da mulher se extinguiam a cada passo. Alexandre passou para o
lado de fora e se segurou firme na grade, transpondo um pequeno vão
entre os dois prédios.
A
mulher já não se aguentava mais de pé, apoiava todo o seu peso em
apenas uma das pernas, já que a que a outra se esvaía em sangue,
dilacerada. A clavícula, notoriamente deslocada, tornava seu
caminhar ainda mais cambaleante e dolorido, o que a fazia gemer de
dor.
Ela
vinha praticamente se arrastando deixando um rastro rubro de dor e
sofrimento, mas parecia não se importar, ela pensava apenas em seu
pequeno.
Alexandre
a alcançou e a abraçou.
_Vem
comigo. Parabéns, você é uma vencedora. Uma leoa que não mediu
esforços para proteger a sua cria. Vamos, vamos pegá-lo.
Ela
então sorriu, agradeceu e desmaiou, caindo por cima de Alexandre,
que foi pego de surpresa e não aguentou o peso da mulher. Na mesma
hora ele se virou para trás pedindo ajuda.
Enquanto
corríamos todos para ajudar, ouvimos um tiro, enquanto uma voz ao
longe gritava:
_
MORRE, SUA FILHA DA PUTAAAAAA. QUERO VER TU MORDER O CARA AGORA. ME
DEVE ESSA, MALUCO!!! HAHAHAHAHAHAHA.
Isso
seguido do som de um carro cantando pneu e se afastando.
_
NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! Gritou Alexandre. E ao voltarmos os olhos
novamente para os dois no chão, ele estava com o corpo todo
ensanguentado. A mulher estava morta. A forma como ela andava, devido
aos ferimentos, confundiu o atirador, que de longe achou que ela
fosse ser um zumbi atacando Alexandre. O disparo foi certeiro na
cabeça, que explodiu, restando apenas pedaços de crânio e massa
encefálica para todos os lados.
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