Ep. 5: Como ratos em uma armadilha.

Toda aquela movimentação fez com que o “menino zumbi” largasse a cabeça que devorava, já quase sem carne e vir em nossa direção. Almir já estava rendido, em posição favorável ao ataque, ajoelhado sobre a poça de sangue, ele parecia ter desistido de lutar para ser morto por aquela criatura desgraçada.
Eu não poderia deixar isso acontecer, sem pelo menos tentar fazer algo. Não seria dessa forma que acabaria a história daquele velho.
_ NÃO, ALMIR! LEVANTE-SE! NÃO É ASSIM QUE ISSO ACABA!
Ele não se moveu, sequer abriu os olhos. Seu bisneto era um menino por volta dos sete ou oito anos, que caminhava para alcançá-lo grunhindo e batendo os dentes. Tentei levantar Almir, tirá-lo dali a força. Um guerreiro, um homem que já viveu até aqui, não poderia ter esse destino. Mas quando eu passei as mãos por baixo de seus braços ele me atacou, puxou uma gaveta da pequena cômoda a sua direita e me bateu com uma força que eu jamais poderia supor para a sua idade.
_ SAIAM DAQUI! SUMAM! ME DEIXEM EM PAZ! É ASSIM QUE TEM QUE SER E ASSIM SERÁ. NÃO ME ENCOSTE, SEU MOLEQUE.
O garoto já estava quase nos alcançando, estava a uns dois passos de nós, não tive alternativa. Posicionei-me atrás de Almir e passei meus braços por baixo dos seus, curvando-os para cima, enquanto com o mesmo movimento, levantava-o do chão até fazer com que minhas mãos se tocassem em sua nuca. Ele ainda se debateu, tentando se soltar, mas já estava imobilizado.
_ VAI, NÓS FECHAMOS A PORTA. SEGURE FIRME. Alguém gritou, mas na hora não identifiquei de qual delas era a voz. Arrastei-o até a sala e o joguei no sofá de forma um pouco violenta.
_ Almir, você fica aqui, não vá atrás de mim, precisamos resolver isso.
_ Você vai matá-lo. Não faça isso, meu bisneto é tudo o que restou da minha família. Minha filha, meu genro e neta se foram em um acidente há dois anos, agora minha esposa...
_ Ele já está morto, Almir. Mas não o mataremos, então precisamos nos certificar de que ele não sairá do quarto.
_ Obrigado. Eu vou com você, posso ajudar!
_ Não, senhor. Fique aqui.
Quando eu cheguei à porta do quarto, as meninas já tinham prendido ele lá dentro. Voltei à sala para confirmar se estava tudo bem com o velho. Ele estava sentado na mesma posição, olhos vidrados em um quadro com imagens de anjos.
_ Como está, meu velho? Quer conversar? Acho que vou até a cozinha ver algo para comer, posso? Se quiser trago algo pra você.
_ Fique a vontade, não estou com fome, pegue o que precisarem.
Fui até a copa e lá estavam as meninas. A mesa posta, pão, manteiga, presunto e Coca-cola. O silêncio era sepulcral. Entrei e me sentei, também em silencio.
_ Vocês estão bem, meninas? Digo, na medida do possível.
_ Na medida do possível, né, amor? Não tem como estar bem.
_ A Aline tem razão, né, Alex? Como poderíamos estar bem com tudo isso? Esse menino era bem novo pelo visto e agora é um comedor de gente.
Eu também me sentia mal, me sentia pesado, como se carregasse o peso de uma tonelada nos ombros. O silêncio voltou a reinar absoluto no ambiente.
Comíamos quase que sem vontade apenas para suprir as necessidades do corpo, nada mais deveria ser dito.
O som de um tiro quebra o silêncio nos fazendo retornar de nossas viagens metais particulares.
Corremos para o corredor, de onde vinha o som. A porta do quarto onde tudo aconteceu, estava aberta mais uma vez. Chegamos na porta ainda a tempo de ver Almir puxar o gatilho mais uma vez, mas agora dentro da própria boca, fazendo todo o ambiente ficar lavado de sangue e miolos.
Aline e Natasha se abraçaram como se uma tentasse tampar os próprios olhos impedindo também que a outra presenciasse tal situação. Eu fiquei estático, senti algo percorrendo minha espinha e congelando todos os meus ossos e músculos.
_ Não. Falei para mim mesmo, quase que sussurrando, o cheiro de sangue me embrulhou o estômago, fazendo todo o lanche voltar, deu tempo apenas de virar para o lado.
_Vamos embora? Essa casa nos fará mal se continuarmos aqui. Vocês concordam?
Eu e Aline concordamos de imediato com o que Natasha acabara de dizer. Mas tínhamos um problema, toda a movimentação, gritos e sons de tiros, fizeram com que os zumbis voltassem a se aglomerar na grade. Almir tinha um bom carro na garagem, um Corola, mas não tínhamos como abrir o portão. Se o fizéssemos, deixaríamos o caminho aberto para os zumbis e nos encurralaríamos no quintal.
Fomos até a varanda e contamos de vinte e cinco à trinta zumbis se espremendo contra a grade. Fomos mais perto para olhar a rua e, aparentemente, eram os únicos mais próximos. Em breve estaria escuro, era melhor pernoitar por lá e tentarmos pegar o máximo de coisas que conseguíssemos, para sair pela manhã, quando poderíamos enxergar melhor o caminho.
O portão da garagem era automático e não aguentou o peso dos zumbis forçando para entrar, caindo inteiro no chão e abrindo a passagem entre eles e nós.
_ MENINAS, PRA DENTRO DO CARRO, VÃO E FIQUEM EM SILÊNCIO! ASSIM QUE ME VIREM ACELEREM E SAIAM DA CASA! ENCONTRO VOCÊS NA RUA!!! Elas pegaram as sacolas com toda a comida e enlatados que conseguimos na dispensa, as chaves do carro e correram. O vidro fumê ajudou na camuflagem.
Eu então atraí a atenção dos zumbis na porta da sala, fazendo-os me seguir para o interior da casa, como ratos em uma armadilha. Os corpos do velho e do menino seriam devorados, me ajudando e fazendo com que o número de zumbis me seguindo diminuísse. Como a garagem era nos fundos, elas me viram saindo pela porta da copa e fechando-a, prendendo os zumbis no interior da casa. Assim, ligaram o carro e saíram pelo portão, já completamente livre.
Enquanto elas saíam com o carro, corri para a porta da frente para trancá-los lá dentro. Ao sair, percebi que a pick-up do outro lado da rua estava com a porta apenas encostada, abri a porta e vi a chave no contato. Girei, conferindo o nível de combustível que estava OK. Dirigi a pick-up por alguns metros até o Corsa que usamos para chegar até aqui e peguei a comida e as armas que estavam no porta-malas. Joguei tudo na caçamba.

Manobrei para que eu pudesse encontrá-las mais na frente, mas o pouco espaço não me deixou escolha, a não ser bater nos tapumes do outro lado da rua e usar o espaço da obra do prédio para dar a ré e fazer a curva. As tábuas caíram em efeito dominó, revelando o mar de zumbis que rodearam meu carro imediatamente assim que parei para engatar novamente a primeira marcha.

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