Ep. 9: Outros grupos. Não estamos sozinhos.

Olhamos para todos os lados, a rua estava tomada por zumbis. Não encontramos Alexandre em nenhuma parte. Ao longe, avistamos um cara que corria por cima dos carros e vinha em nossa direção.
Os outros amigos saíram dos carros e nós nos juntamos no centro do nosso pequeno cerco, formado pelos carros. Alguns poucos zumbis já rastejavam sobre os carros tentando nos alcançar, mas ficamos ali parados, armas em punho, eliminando um a um, até que conseguíssemos identificar quem vinha correndo.
Corri até o carro e peguei o velho revolver que era de Almir.
_JÁ ESTÁ BOM! NÃO SE APROXIME MAIS! Gritei engatilhando a arma e apontando-a para o estranho.
Ele também puxou uma arma para nós e começou a atirar, até que se abaixou e o perdemos de vista. Ouvíamos apenas a sua voz.
_Uou, uou. Então vocês são viajantes? Já tinha visto vocês vindo lá longe. Aposto que têm muita coisa boa nesses carros, além, é claro, dessas duas mocinhas.
Ouvimos mais sons de tiros, agora acertando nossos carros. Um caminhão militar subia a rua de ré. Na caçamba, dois homens disparavam em nossa direção. Atirei de volta e nos abaixamos para não sermos atingidos, mas estávamos em desvantagem. Assim que o caminhão parou perto de nós, um zumbi de roupas camufladas surgiu, vindo de trás dos atiradores e mordeu um deles na lateral do pescoço, arrancando um pedaço. Na mesma hora o sangue jorrou longe, o que fez com que ele caísse perdendo muito sangue. Com o impacto no chão, o fuzil disparou atingindo o outro atirador, na cabeça. Procuramos novamente pelo homem que subiu a rua correndo e ele ainda estava escondido.
Os zumbis ao nosso redor grunhiam e batiam os dentes, como quem via um delicioso banquete. A confusão e o barulho atraíram mais deles, que tentavam nos morder.
Valquírio e Diogo se adiantaram e pularam na carroceria do caminhão para conferir se tinha algo que poderia ser útil.  Valquírio matou o zumbi e pegou o fuzil das mãos de um dos cadáveres.
Diogo sumiu por um instante, mas voltou para falar com a gente.
_ CARA, TEM UMA PASSAGEM DA CARROCERIA PARA  A CABINE! E AQUI ESTÁ CHEIO DE ARMAS, FUZIS, PISTOLAS, MUITA MUNIÇÃO! VAMOS LEVAR TUDO! VOU DIRIGINDO O CAMINHÃO E VOCÊS VÃO ATRÁS, BELEZA?
Assim que tentamos voltar para os nossos carros, o primeiro cara reapareceu com a arma na cabeça de Natasha, ameaçando atirar.
_ Você aí, garotão, joga a arma no chão e chuta pra cá. Todos vocês! Nada de tesouras, facas... nada disso, vamos logo. Isso é o mundo cão, meus queridos!
Eu, Aline, e Natasha estávamos rendidos e sem alternativas, jogamos as armas no chão.
_ Onde estão os outros? Sei que tinha mais gente com vocês. Cadê eles?
Apenas silêncio, essa foi a sua resposta. Ninguém se manifestou. Os amigos no caminhão apareceram cada um apontando um fuzil em sua direção. Natasha percebeu um dos zumbis vindo por cima do capô de seu carro, por trás dela e do cara. E fingiu uma fraqueza nas pernas, dando um passo para trás, enquanto falava alto para abafar o som que o zumbi emitia. Agora, mais um zumbi se rastejava pelo mesmo caminho e Natasha deu mais um passo para trás. Foi o suficiente para que o homem que lha ameaçava fosse alcançado, levando uma mordida no braço que segurava a arma. Assim que seu braço foi puxado, Natasha correu para nós. Diogo e Valquírio abriram fogo contra o cara que chacoalhou lindamente no ar, espalhando sangue sobre o carro. O som dos fuzis atraiu ainda mais zumbis que mergulhavam sobre o cadáver, enquanto a poça de sangue só aumentava. Os disparos também assustaram o bebê, que estava dentro do carro e começou a chorar novamente.
Precisávamos sair dali o mais rápido possível, os carros já não eram mais barreira suficiente. Precisávamos de um lugar mais seguro. Alexandre ainda estava desaparecido, mas uma busca sem pistas seria inútil, e colocaria outros membros do grupo em risco.
Demos uma última olhada ao redor e nada. Deixamos um carro com água, comida e armas, para o caso de ele voltar. Ligamos os motores dos outros veículos e seguimos caminho.
Diogo ia na frente com o caminhão, abrindo passagem, em seguida Natasha, Valquírio e Tekilla e, por último, eu,  Aline e o bebê.
Descemos a rua e seguimos rumo à Vista Alegre, sempre com os olhos no retrovisor.
Até que Diogo acelerou e virou numa rua cantando pneu e nós fizemos o mesmo. Já estacionado, ele saiu do caminhão e correu na direção de nossos carros.
_Abaixem-se, eles não podem nos ver!

Enquanto ele falava, três motos subiram a rua, todas com duas pessoas. Não vimos armas, mas ainda assim era preciso ter cautela.

Ep. 8: Zumbis, Vodka e Tekilla

A cena da mulher morrendo bem na nossa frente, todo aquele sangue, me fez lembrar de Almir, apesar de os motivos de suas mortes serem completamente diferentes.
_ Alexandre, Alexandre! Chamamos sem resposta. Parecia realmente em choque, com os olhos caídos e fixos em um ponto. Mantivemos distância e observamos.
Ele pôs o corpo da mulher sentado com as pernas esticadas e as coisas apoiadas na parede, sentou-se ao lado e começou a falar com o cadáver. Diogo fez menção em se aproximar, mas foi impedido por Natasha.
Olhei para trás e vi Aline na sacada onde estávamos antes, ainda com o bebê no colo, ele sorria. Pobre criança.
Me despedi de Natasha e Diogo, que disseram que ficariam por ali mesmo.
Voltando para dentro, Aline também estava bem abalada. Tentei não falar sobre o que acabara de acontecer.
_ Daqui a algumas horas estará de manhã, porque não aproveitamos para descansar um pouco?
_ Sim, precisamos estar inteiros amanhã para sairmos daqui. Respondeu Aline.
Encontramos um canto e dormimos no chão. O cansaço fez com que apagássemos em poucos minutos.
Passaram-se algumas horas e então despertei com um susto. Aline já estava de pé e tinha ótimas notícias.
_ Bom dia, amor! Já ia mesmo te acordar! O Diogo falou que acha que tem uma maneira de sairmos daqui. Ele está lá fora, no telhado.
Levantei correndo e fui procurá-lo.
_ Bom dia, Diogo! Descansou?
_ Bom dia, dorminhoco! Tava roncando pra caralho, hein, maluco! Se liga, enquanto vocês dormiam eu trabelhei nisso aqui. E apontou para um cabo de aço que cruzava todo o pátio.
_ Ta vendo isso aí? É um cabo de aço que segurava os fios de alta tensão, mas foram arrancados pelo caminhão que bateu e derrubou dois postes. Ele está preso aqui em cima e vai direto até lá, ó, até o primeiro caminhão onde a mulher estava. De lá é só descer e pegarmos os carros. O que me diz?
_ Gênio! Tu é foda, cara.
_ Só tem um problema... o Alexandre encontrou um armário cheio de caixas de vodka e o resultado é aquele alí. Disse ele coçando a cabeça e apontando para Alexandre, que estava dormindo ao lado do cadáver da mulher, no mesmo lugar de ontem.
Nós o acordamos e por sorte ele estava bem, apenas com uma puta ressaca. Mas conseguiu atravessar a “tirolesa” improvisada. Primeiro foi o Diogo, seguido por Alexandre, depois Natasha. Aline pediu minha camisa e amarrou uma manga na outra fazendo uma espécie de sacola, onde levou o bebê preso ao corpo, por último fui eu. Cada um, assim que chegava, corria para o seu carro, para não perdermos mais tempo. Realmente foi uma jogada de mestre, conseguimos sair sem precisar enfrentar nem um zumbi sequer.
Seguindo a estrada, avistamos pelo retrovisor uma moto, não muito potente mas que vinha a toda velocidade. Abrimos passagem para o cara de dreads no cabelo e ele passou por nós sem olhar para os lados.
A placa de Minas Gerais indicava que aquele viajante apressado vinha de longe. Em Irajá, em frente ao Shopping, avistamos novamente o cara dos dreads, dessa vez já sem a moto e cercado por uma grande horda. Ele tinha consigo dois facões bem grandes, daqueles de cortar galhos e mostrava bastante desenvoltura com as armas. Mas o número de zumbis o deixava em uma desvantagem absurda.
_ AMOR, É O VALQUÍRIO!!! Aline gritou e acelerou, investindo sobre a horda.
Nós, nos outros carros, fomos atrás. Nosso grupo estava em três carros e com isso conseguimos pará-los estrategicamente de forma que, praticamente, cercássemos o amigo que estava em perigo. Portas abertas, saí no pequeno cerco que montamos, para uma reorganização rápida do grupo. Agora estávamos em seis pessoas.
_Val, tu pode pegar o carro com a Natasha, pra Aline vir no carro comigo?
_ Claro, pô. Mas eu não posso me separar da Tekilla. Ela pode ir comigo?
Valquírio falou enquanto tirava da mochila uma gatinha cinza e preta, uma mistura de Siamês com vira-lata, que Natasha na mesma hora pegou no colo.
_ Acho que isso é um sim. Respondi irônico.
_ Claro que pode, ainda mais com uma filhote linda dessas. Você é o cara da moto?
_ Sim, sou eu. Ela está caída ali, não consigo pegá-la.
Natasha saiu do carro para Valquírio entrar, já que a porta do outro lado estava bloqueada pelos zumbis.
_ Entra aí! Deixa que eu piloto agora, você veio de longe. Aproveita pra descansar um pouco.
_ Pô... Valeu, Natasha. E esse bebê no colo da Aline, de quem é? Perguntou meio confuso.

_ Isso é uma longa história, cara. Prazer, sou o Diogo. Esse aqui ao lado é o … PORRA, O ALEXANDRE SUMIU!!!

Ep. 7: Amigos, um segundo muda tudo.

Assim que fechamos e travamos a porta, subimos a escada estreita e de degraus irregulares. Lá em cima, Alexandre e Diogo tinham todo um aparato já organizado. Natasha abraçou Alexandre, bastante emocionada.
_ Que bom ver amigos vivos! Pelo visto não chegaram aqui agora, né? Estão aqui há muito tempo?
_ Mais ou menos chegamos por aqui à tarde. Alexandre respondeu e, enquanto ele falava, percebi seu punho enfaixado, mas não comentei de imediato.
Enquanto Natasha e Alexandre conversavam um pouco mais afastados, Diogo começou a nos explicar que o hospital onde ele trabalha começou a receber muitos pacientes vítimas de ataques de mordidas, mas não de animais e sim de outras pessoas. Os que já não chegavam mortos, morriam em pouco tempo. E esses, mesmo após terem morrido, levantavam-se e atacavam outras pessoas. Ele então resolveu voltar para casa.
_ Porra, cara! Só eu tinha ido trabalhar ontem, tive que ir cobrir um amigo que adoeceu. Minha família estava toda lá em casa, começando a preparar as coisas para a festa surpresa de um primo hoje à noite. Só quero chegar em casa e ver que estão todos bem.
_ E o Alexandre? Como encontrou? Perguntei, já prevendo a hora de perguntar sobre o ferimento no braço.
_ Assim que eu peguei a saída da Ilha do Governador e voltava dirigindo pela Av. Brasil, fui ultrapassado por um ônibus em alta velocidade, que bateu na mureta da pista e capotou a poucos metros do meu carro. Parei ali próximo e corri para ajudar, quando ouvi chamarem meu nome. Era o Alexandre, dentro do ônibus! Havia pelo menos uns cinco mordedores desses! Quebrei a janela e puxei nosso amigo, que disse que estava sozinho e também indo pra casa, fugindo do caos. Não pensamos duas vezes, voltamos para o carro e chegamos aqui. Paramos para abastecer e procurar algo para imobilizar o braço dele. Acho que está quebrado, ele reclama de dor, mas não há ferimento aparente. Aqui fomos cercados e resolvemos ficar até vermos o que faremos para seguir caminho.
Começamos a explicar nossa estratégia para chegar à Vila da Penha, mas fomos interrompidos logo no início.
_SOCORRO, SOCORROOOOO!
Corremos todos até a varanda e lá estava a mulher para quem demos carona. Ela estava em cima de um dos caminhões parados e, apesar de próximo, era impossível alcançá-la. Ela viu o bebê no colo de Aline e agradeceu por termos salvo seu filho e de certa forma se acalmou um pouco.
_Não saia daí que nós vamos te ajudar, nós vamos te resgatar. Gritou Alexandre, já se arrumando para descer.
_ Espera aí, cara! Olha como está aquilo lá embaixo.
_ É Alexandre, ficou louco?
_ Mas, gente, não podemos deixá-la abandonada à própria sorte.
_ E quem foi que disse isso? Ninguém tá abandonando ela...
O falatório irritou o bebê que voltou a chorar, chorou tanto que perdeu o fôlego, ficando vermelho arroxeado e sem conseguir puxar o ar novamente. Dali da varanda assistíamos a cena de terror que se anunciava. A mulher se desesperou com a criança, que passava mal e resolveu arriscar passar para o caminhão ao lado e ir pulando de um em um até chegar mais perto. Aline correu com o bebê para o lado de dentro, afastando-o do barulho, para que se acalmasse e assim recuperasse o fôlego.
_ Eu vou até aí! Preciso do meu filho, ele precisa de mim, somos uma família, uma família abençoada!
Ela fechou os olhos, ergueu a mão esquerda aos céus, levando a direita ao peito, recitando algo que a distância não nos permitia interpretar, como quem estivesse em oração. Ficou assim por um tempo e assim que abriu os olhos pulou para o primeiro caminhão ao seu lado, que era mais baixo, o seu tênis enganchou em algo e ela caiu rasgando a panturrilha, que de imediato se abriu deixando parte de sua carne pendurada. Com muita dificuldade ela atravessou sobre outros três veículos, deixando um rastro de sangue. O quarto um caminhão cegonha, havia batido e entrado em um pequeno prédio comercial, ela precisaria escalá-lo e se arrastar por entre as ferragens retorcidas para só então atravessar uma marquise e nós a alcançarmos.
Perdemos a mulher de vista por alguns minutos que pareceram uma eternidade, até que a avistamos saindo do outro lado, agora mais próxima de nós, ainda mais machucada.
Ela agora estava sem blusa, talvez tenha ficado presa em alguma coisa, seu cabelo estava colado ao rosto, lavado em sangue, ela parecia ter deslocado um ombro, pois já não mais movimentava um dos braços.
_ Meu filho, mamãe está chegando. Fique calmo, mamãe está chegando.
Ela sussurrava como quem guardava suas últimas forças para aquele reencontro.
Faltava muito pouco, agora ela precisava apenas caminhar por uma pequena marquise, sobre algumas lojas e então entregaríamos seu bebê.
As forças da mulher se extinguiam a cada passo. Alexandre passou para o lado de fora e se segurou firme na grade, transpondo um pequeno vão entre os dois prédios.
A mulher já não se aguentava mais de pé, apoiava todo o seu peso em apenas uma das pernas, já que a que a outra se esvaía em sangue, dilacerada. A clavícula, notoriamente deslocada, tornava seu caminhar ainda mais cambaleante e dolorido, o que a fazia gemer de dor.
Ela vinha praticamente se arrastando deixando um rastro rubro de dor e sofrimento, mas parecia não se importar, ela pensava apenas em seu pequeno.
Alexandre a alcançou e a abraçou.
_Vem comigo. Parabéns, você é uma vencedora. Uma leoa que não mediu esforços para proteger a sua cria. Vamos, vamos pegá-lo.
Ela então sorriu, agradeceu e desmaiou, caindo por cima de Alexandre, que foi pego de surpresa e não aguentou o peso da mulher. Na mesma hora ele se virou para trás pedindo ajuda.
Enquanto corríamos todos para ajudar, ouvimos um tiro, enquanto uma voz ao longe gritava:
_ MORRE, SUA FILHA DA PUTAAAAAA. QUERO VER TU MORDER O CARA AGORA. ME DEVE ESSA, MALUCO!!! HAHAHAHAHAHAHA.
Isso seguido do som de um carro cantando pneu e se afastando.

_ NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! Gritou Alexandre. E ao voltarmos os olhos novamente para os dois no chão, ele estava com o corpo todo ensanguentado. A mulher estava morta. A forma como ela andava, devido aos ferimentos, confundiu o atirador, que de longe achou que ela fosse ser um zumbi atacando Alexandre. O disparo foi certeiro na cabeça, que explodiu, restando apenas pedaços de crânio e massa encefálica para todos os lados.

Ep. 6: Av. Brasil: O caminho sombrio.

Eram tantos zumbis ao redor, se espremendo contra os vidros e a lataria da pick-up, que já estava difícil de enxergar o lado de fora, alguns escorregavam e caiam embaixo do carro e a lama fazia o carro não sair do lugar. Tentei manter a calma. Acionei o comando de tração e comecei a acelerar devagar. O som dos ossos e crânios se rompendo era abafado pelo som do motor e pelos vidros fechados. Saindo do terreno em obra, avistei o carro das meninas voltando, pisquei o farol e abri o vidro acenando com a mão, para indicar que estava tudo bem. Era Aline que estava ao volante.
_ Porra, quer me matar do coração? Pensei que não tinha conseguido sair.
_Consegui sim, vocês estão bem, né? Vamos parar no posto ali na esquina da Intendente Magalhães e vamos ver se conseguimos algo na loja de conveniência, tudo bem?
_Tudo bem! Vamos lá!
Chegando ao posto de gasolina, já estava escuro. Saltamos dos carros apreensivos, tensos, com nossas armas nas mãos e esperando o pior, mas estava tudo deserto exceto pelo cão que dormia próximo à placa que anunciava a venda de gelo, carvão e água mineral, como quem realmente não entendia o que estava acontecendo.
Andamos até a porta da loja de conveniência e estava trancada, mas a porta de vidro temperado não seria empecilho. Tudo aquilo estava à apenas uma marreta de distancia. Enquanto as meninas pegavam comidas e bebidas no interior da loja (isso inclui biscoitos, chocolates, montanhas de refrigerantes e cervejas), eu fui até o depósito onde ficavam os galões de vinte litros de água, peguei alguns cheios e coloquei na caçamba, peguei também alguns vazios e enchi com combustível. Era melhor garantir. Completamos os tanques dos carros e seguimos em frente para pegarmos a Av. Brasil. Em algumas partes do caminho a estrada estava quase fechada. Por todos os bairros que cortamos o clima era de terror, carros abandonados, outros em chamas, pessoas sendo atacadas, corpos pelo chão e muitos, muitos zumbis.
Na Brasil a mesma cena se repetia. Carros abandonados, dispostos como em um congestionamento e muitos zumbis, mas algo nos chamou a atenção. Havia um caminho centralizado na pista como se algum veículo largo, grande e pesado tivesse aberto passagem entre os carros, fazendo muitos deles se amontoarem sobre os outros. Aproveitamos para seguir o mesmo trajeto, guiados apenas pela luz de nossos faróis.
No meio da estrada, em meio à escuridão, surge uma mulher com um bebê no colo e praticamente se joga na frente do carro das meninas que ia na frente, nos obrigando a parar. Emparelhei meu carro ao delas, ligamos o farol alto e ficamos um tempo observando o que a mulher faria. Ela se ajoelhou no chão e clamou por ajuda.
_ POR FAVOR, NOS AJUDE! PELO AMOR DE DEUS! MEU MARIDO ACABOU DE SER ATACADO POR UMA DESSAS PESSOAS.
Abri o vidro para que ela pudesse me ouvir.
_ QUANTOS SÃO VOCÊS?
_ SOU SÓ EU E O BEBÊ MESMO! NÃO TEMOS MAIS NINGUÉM.
Olhei para as meninas e elas pareciam querer ajudar, mas também estavam cautelosas, acenei com a cabeça em sinal de positivo e elas retribuíram.
_ OK! DÊ A VOLTA E PULE AI ATRÁS DO CARRO. TE AJUDAREMOS A SAIR DA BRASIL, E DEPOIS PARAREMOS PARA CONVERSAR MELHOR. ESTAMOS INDO PARA UM LUGAR SEGURO.
Ela passou entre os dois carros, tentando nos enxergar por trás dos vidros escuros e, com um pouco de dificuldade, subiu dando duas batidas no teto, indicando que já podíamos seguir. Mesmo querendo ajudar, era preciso ter cautela, não sabíamos se ela havia sido mordida.
E pelo caminho mais e mais zumbis. As pontes para travessia de pedestres que cruzam a avenida também estavam cheias deles. Eram tantos que chegavam a cair na pista, nos obrigando a desviar quando possível.
O caminho parecia livre novamente. Me estiquei e abri o porta luvas, lá dentro encontrei um par de baquetas, óculos escuros, alguns pacotes de camisinha e um case de CD´s. Só coisa boa! Botei o CD Reign in Blood para tocar e pisquei o farol para Aline reduzir a velocidade. Emparelhei mais uma vez com ela e passei o estojo de cds. Música boa parecia ser uma boa opção no momento.
_ Toma, tem coisas boas aí. Por falar em coisas boas, tem cerveja aí com vocês?
_ Estão nos porta-malas, no nosso e no seu. Vamos tentar encostar lá onde estão aquelas luzes. Acho que é um posto. Aqui com a gente só tem isso, ó...
Elas riram e Natasha levantou um pacote de Doritos e uma garrafa de refrigerante.
Seguimos até o posto, paramos e quando saí do carro para pegar as malditas cervejas a mulher havia sumido, ficando apenas o bebê que chorava muito.
O som do choro começou a atrair zumbis que saiam de todos os cantos do posto de gasolina, de cada canto que olhávamos, de cada porta. O clima ficou tenso, estávamos bem no meio e os zumbis se aproximavam cada vez mais.
_ O que faremos com essa criança? Perguntou Natasha
_ Vamos levá-la com a gente. Disse Aline
_ Não, cara, esse moleque vai nos atrapalhar, deixe ele aí e vamos embora! Retruquei.
Nesse momento vemos Diogo e Alexandre, velhos amigos que também estavam perdidos por ali. Eles saíram de trás da loja e entraram em uma porta que ia para o andar de cima de uma espécie de restaurante, desses de estrada.
Nos apressamos e seguimos o mesmo caminho.
_ EI, EI, PESSOAL! PRA ONDE VÃO? O QUE ESTÃO FAZENDO AQUI?
_ VEM, PORRA, SOBE LOGO!
Entramos e fechamos a porta, colocando uma pilha de botijões de gás deitados travando a porta no primeiro degrau da escada.

Estávamos mais uma vez cercados, sem armas, sem comida e com esse maldito bebê que não calava a boca.

Ep. 5: Como ratos em uma armadilha.

Toda aquela movimentação fez com que o “menino zumbi” largasse a cabeça que devorava, já quase sem carne e vir em nossa direção. Almir já estava rendido, em posição favorável ao ataque, ajoelhado sobre a poça de sangue, ele parecia ter desistido de lutar para ser morto por aquela criatura desgraçada.
Eu não poderia deixar isso acontecer, sem pelo menos tentar fazer algo. Não seria dessa forma que acabaria a história daquele velho.
_ NÃO, ALMIR! LEVANTE-SE! NÃO É ASSIM QUE ISSO ACABA!
Ele não se moveu, sequer abriu os olhos. Seu bisneto era um menino por volta dos sete ou oito anos, que caminhava para alcançá-lo grunhindo e batendo os dentes. Tentei levantar Almir, tirá-lo dali a força. Um guerreiro, um homem que já viveu até aqui, não poderia ter esse destino. Mas quando eu passei as mãos por baixo de seus braços ele me atacou, puxou uma gaveta da pequena cômoda a sua direita e me bateu com uma força que eu jamais poderia supor para a sua idade.
_ SAIAM DAQUI! SUMAM! ME DEIXEM EM PAZ! É ASSIM QUE TEM QUE SER E ASSIM SERÁ. NÃO ME ENCOSTE, SEU MOLEQUE.
O garoto já estava quase nos alcançando, estava a uns dois passos de nós, não tive alternativa. Posicionei-me atrás de Almir e passei meus braços por baixo dos seus, curvando-os para cima, enquanto com o mesmo movimento, levantava-o do chão até fazer com que minhas mãos se tocassem em sua nuca. Ele ainda se debateu, tentando se soltar, mas já estava imobilizado.
_ VAI, NÓS FECHAMOS A PORTA. SEGURE FIRME. Alguém gritou, mas na hora não identifiquei de qual delas era a voz. Arrastei-o até a sala e o joguei no sofá de forma um pouco violenta.
_ Almir, você fica aqui, não vá atrás de mim, precisamos resolver isso.
_ Você vai matá-lo. Não faça isso, meu bisneto é tudo o que restou da minha família. Minha filha, meu genro e neta se foram em um acidente há dois anos, agora minha esposa...
_ Ele já está morto, Almir. Mas não o mataremos, então precisamos nos certificar de que ele não sairá do quarto.
_ Obrigado. Eu vou com você, posso ajudar!
_ Não, senhor. Fique aqui.
Quando eu cheguei à porta do quarto, as meninas já tinham prendido ele lá dentro. Voltei à sala para confirmar se estava tudo bem com o velho. Ele estava sentado na mesma posição, olhos vidrados em um quadro com imagens de anjos.
_ Como está, meu velho? Quer conversar? Acho que vou até a cozinha ver algo para comer, posso? Se quiser trago algo pra você.
_ Fique a vontade, não estou com fome, pegue o que precisarem.
Fui até a copa e lá estavam as meninas. A mesa posta, pão, manteiga, presunto e Coca-cola. O silêncio era sepulcral. Entrei e me sentei, também em silencio.
_ Vocês estão bem, meninas? Digo, na medida do possível.
_ Na medida do possível, né, amor? Não tem como estar bem.
_ A Aline tem razão, né, Alex? Como poderíamos estar bem com tudo isso? Esse menino era bem novo pelo visto e agora é um comedor de gente.
Eu também me sentia mal, me sentia pesado, como se carregasse o peso de uma tonelada nos ombros. O silêncio voltou a reinar absoluto no ambiente.
Comíamos quase que sem vontade apenas para suprir as necessidades do corpo, nada mais deveria ser dito.
O som de um tiro quebra o silêncio nos fazendo retornar de nossas viagens metais particulares.
Corremos para o corredor, de onde vinha o som. A porta do quarto onde tudo aconteceu, estava aberta mais uma vez. Chegamos na porta ainda a tempo de ver Almir puxar o gatilho mais uma vez, mas agora dentro da própria boca, fazendo todo o ambiente ficar lavado de sangue e miolos.
Aline e Natasha se abraçaram como se uma tentasse tampar os próprios olhos impedindo também que a outra presenciasse tal situação. Eu fiquei estático, senti algo percorrendo minha espinha e congelando todos os meus ossos e músculos.
_ Não. Falei para mim mesmo, quase que sussurrando, o cheiro de sangue me embrulhou o estômago, fazendo todo o lanche voltar, deu tempo apenas de virar para o lado.
_Vamos embora? Essa casa nos fará mal se continuarmos aqui. Vocês concordam?
Eu e Aline concordamos de imediato com o que Natasha acabara de dizer. Mas tínhamos um problema, toda a movimentação, gritos e sons de tiros, fizeram com que os zumbis voltassem a se aglomerar na grade. Almir tinha um bom carro na garagem, um Corola, mas não tínhamos como abrir o portão. Se o fizéssemos, deixaríamos o caminho aberto para os zumbis e nos encurralaríamos no quintal.
Fomos até a varanda e contamos de vinte e cinco à trinta zumbis se espremendo contra a grade. Fomos mais perto para olhar a rua e, aparentemente, eram os únicos mais próximos. Em breve estaria escuro, era melhor pernoitar por lá e tentarmos pegar o máximo de coisas que conseguíssemos, para sair pela manhã, quando poderíamos enxergar melhor o caminho.
O portão da garagem era automático e não aguentou o peso dos zumbis forçando para entrar, caindo inteiro no chão e abrindo a passagem entre eles e nós.
_ MENINAS, PRA DENTRO DO CARRO, VÃO E FIQUEM EM SILÊNCIO! ASSIM QUE ME VIREM ACELEREM E SAIAM DA CASA! ENCONTRO VOCÊS NA RUA!!! Elas pegaram as sacolas com toda a comida e enlatados que conseguimos na dispensa, as chaves do carro e correram. O vidro fumê ajudou na camuflagem.
Eu então atraí a atenção dos zumbis na porta da sala, fazendo-os me seguir para o interior da casa, como ratos em uma armadilha. Os corpos do velho e do menino seriam devorados, me ajudando e fazendo com que o número de zumbis me seguindo diminuísse. Como a garagem era nos fundos, elas me viram saindo pela porta da copa e fechando-a, prendendo os zumbis no interior da casa. Assim, ligaram o carro e saíram pelo portão, já completamente livre.
Enquanto elas saíam com o carro, corri para a porta da frente para trancá-los lá dentro. Ao sair, percebi que a pick-up do outro lado da rua estava com a porta apenas encostada, abri a porta e vi a chave no contato. Girei, conferindo o nível de combustível que estava OK. Dirigi a pick-up por alguns metros até o Corsa que usamos para chegar até aqui e peguei a comida e as armas que estavam no porta-malas. Joguei tudo na caçamba.

Manobrei para que eu pudesse encontrá-las mais na frente, mas o pouco espaço não me deixou escolha, a não ser bater nos tapumes do outro lado da rua e usar o espaço da obra do prédio para dar a ré e fazer a curva. As tábuas caíram em efeito dominó, revelando o mar de zumbis que rodearam meu carro imediatamente assim que parei para engatar novamente a primeira marcha.

Ep. 4: Medo. A rendição de um ex-combatente.

Tentar argumentar com alguém que acabou de dizer que vai te matar não é a melhor coisa a se fazer, mas tentar convencer aquele velho seria mais fácil do que tentar fazer o mesmo com os zumbis.
_ Senhor, não precisa ser dessa forma, podemos conversar. Quem sabe se não podemos ajudá-lo e... Olhe ao nosso redor, senhor, nem nós e nem o senhor temos como ir a lugar algum. Tentei mostrar-lhe a realidade ao nosso redor.
O coroa me deixou terminar a frase e continuou me olhando no fundo dos olhos. Parecia que passava um filme em sua cabeça e apesar da postura e do ar militar, percebi que ele também estava bastante assustado, estava ofegante e um pouco trêmulo. O som emitido pelos zumbis atrás de nós não nos deixava outra escolha a não ser abaixar nossas armas e mostrar que estávamos ali em paz.
_ Meninas ponham suas armas no chão e chutem na direção do senhor... Qual o seu nome, amigo?
_ Almir, ele respondeu abaixando o revolver.
_ Sr. Almir, eu me chamo Alex, essa é Aline, minha namorada e sua vizinha aqui da rua e essa é Natasha, uma amiga nossa. Somos inofensivos.
_ Entrem! Peguem suas armas e entrem. Desculpem o mau jeito, minha velha está lá dentro, cuidando do nosso bisneto, que foi mordido por uma dessas coisas.
Nos entreolhamos, acho que sentimos o mesmo frio na espinha, por já saber o que aconteceria, mas era preciso fazer uma coisa de cada vez, o velho não aceitaria a notícia com um belo sorriso no rosto.
_ Mulher, temos convidados para o lanche da tarde, ele gritou enquanto caminhávamos pelo belo jardim na frente da casa, cheia de janelas.
_ Alex, estão com fome? Com sede? Precisam ir ao banheiro ou tomar um banho? Fiquem à vontade, moças. Minha mulher está no quarto, é a segunda porta à direita, assim que passarem pela copa. Podem ver se ela precisa de ajuda?
Agora parecia que eu conversava com outra pessoa, um outro Sr. Almir. Todo aquele ar intimidador e hostil dera espaço a um homem comum, um velho com um olhar ainda ressabiado, porém mais acolhedor.
_ Sr. Almir... Apenas Almir, por favor, o senhor está no céu. Sente-se, ele me advertiu e apontou uma poltrona na varanda.
_ Ok, Almir, me desculpei e continuei o raciocínio. Estamos seguros aqui? Os zumbis, que é como os chamamos, são idiotas, não transpassam obstáculos, não abrem portas e nem pulam muros. Mas me refiro ao fato de ter dito que seu bisneto foi mordido. Como ele teve contato com...
_ Esses malditos monstros mordedores? Ele me interrompeu.
_ Sim, Almir, como isso aconteceu?
_ Fui buscá-lo na escola e quando parei o carro em frente ao portão, vimos D. Marlene, vizinha aqui da casa ao lado, vindo pelo canto da calçada. Ela aparentemente estava mancando, andava de forma estranha e meu bisneto correu para abraçá-la, como sempre fazia. Ela agarrou o menino e mordeu seu ombro. Só percebi quando meu bisneto já estava gritando e tentando se desvencilhar do ataque. Corri e a empurrei, puxando-o para trás de mim. Ela estava pálida, com os olhos escuros, como poças de sangue coagulado, mas só percebi quando comecei a gritar com ela, que se levantou tentando me atacar também. Não sabia o que estava acontecendo, mas não pensei duas vezes peguei meu bisneto no colo e corri com ele para dentro.
_ Lamento Almir, isso já faz muito tempo?
_ Faz algumas horas, desde a hora do almoço, mais ou menos. Falando nisso, vou ligar o rádio, já está quase na hora, minha velha reza todos os dias ouvindo Ave Maria. Ele disse olhando para o relógio e entrando para a sala.
Foi em vão, estávamos sem eletricidade. Mas mesmo assim, vi quando a senhora cruzou o corredor e entrou no quarto com um rosário entre os dedos. Antes de fechar a porta, ela apenas me olhou e acenou com a cabeça. Voltei a olhar para a rua e fiquei um tempo em silencio observando um zumbi franzino, talvez um adolescente, do outro lado da grade. Ele forçava seu rosto no vão entre barras de metal, a ponto de sua carne abrir, expondo os ossos de seu crânio. Almir também ficou ali observando. Não era preciso uma palavra se quer, mas ele quebrou o silêncio.
_Sabe, filho, eu tenho 84 anos, já servi ao meu país, inclusive em uma guerra que não era minha, fui membro da Força Expedicionária Brasileira, estava na linha de frente da Batalha de Monte Castelo, na Itália. Vi coisas feias, coisas horríveis, daquelas que nenhum homem deveria presenciar.
As lágrimas corriam em seu rosto, enquanto ele falava e alisava os cabelos brancos.
_ Mas nunca, meu filho, nunca pensei que viveria para ver isso e agora penso em tudo o que passei, penso em minha vida desde a infância, cada sacrifício, para agora morrer assim, sem honra, sem vislumbrar a glória, sendo devorado por meus semelhantes.
_ Não será assim, Almir, ficaremos juntos. Eu e as meninas estávamos indo para a Vila da Penha, conhece? Quem sabe não vai conosco, vi que tem um bom carro na garagem e nós pulamos aqui na sua casa porque perdemos o nosso, podia nos levar até lá, o que me diz? Você e sua senhora seriam muito bem vindos na minha casa.
_ Você diz eu e minha senhora, mas eu disse que tenho um bisneto que está ferido, precisando de cuidados e...
_ AAAAAAAAAAAAAAHHHH!!! SOCORROOOOO!!!
Fomos interrompidos por gritos que vinham de dentro da casa. Entramos correndo pela sala, as meninas também vinham na direção contrária, ainda mastigando algo. O som parecia vir de um quarto com a porta fechada. Almir virou a maçaneta, mas ele estava trancado por dentro.
_ MERDA, MERDA, eu falei pra ela não trancar a porra da porta. PORQUE, MEU DEUS, PORQUE? Aline estava visivelmente nervosa.
Pedi licença a Almir e arrombei a porta com o pé, próximo à maçaneta, apesar da força do impacto a porta não se abriu por completo, apenas uma fresta a afastava da parede.
Por ali, pude ver os pés, da dona da casa, já imóveis. Não havia mais o que fazer. Almir passou a frente e abriu a porta com toda a força, empurrando o corpo de sua mulher e deparando-se com seu bisneto, agachado no outro canto do quarto, devorando ferozmente a cabeça de sua avó, já decepada do corpo.

Almir se abaixou e pegou o rosário, de contas de madeira, ainda nas mãos ensangüentadas de sua esposa, sem dar uma palavra. Ele fechou os olhos e beijou o crucifixo, em seguida abriu os braços e caiu de joelhos, como quem aceitasse seu inevitável fim, ele apenas esperava o abraço gélido da morte.